EUDES, Luiz. Noite de Festa. Rio de Janeiro: CBJE, 2010. p. 21.
Chamava-se Aloísio Carvalho, mais conhecido como Lula. Seu hobbie predileto era colocar o carro na estrada e passar o dia tentando alcançar a linha do horizonte. Quando se convencia de que era impossível, voltava.
Assim era o que fazia duas a três vezes na semana. Na última, sua mãe lhe desejou "boa viagem" de forma inusitada:
- Vá e volte na companhia do seu avó Zé Carvalho e do seu tio Mundinho!
Achou que sua mãe estivesse caducando. Seu avó e o seu tio haviam morrido no ano passado, em desastre de automóvel. Prometeu a si mesmo que, ao retornar, passaria mais tempo com a sua mãe.
O seu primo Cosme também seguiria viagem, em seu próprio carro, pois iria tratar de negócios além de Alagoinhas. Marcaram encontro em um restaurante em Inhambupe, ao final da tarde. Jantariam por lá, e retornariam juntos, quando a noite se fizesse.
Mais ou menos no horário combinado, parou no estacionamento do restaurante em Inhambupe. Havia alguns conhecidos, com os quais ele puxou conversa e, quando se deu conta, já era tarde da noite. E nada do seu primo aparecer. Pagou a conta e resolveu desafiar o breu da estrada, em uma viagem de menos de uma hora. Não sabia o que tinha acontecido com o seu primo, mas desconfiava que ele houvesse se esquecido do trato. Não era a primeira vez que isso acontecia.
O silêncio da noite era interrompido pelo ronco do motor e pelo vento no pára-brisa. Fazia um céu estrelado, límpido, doirado pela luz das estrelas. De vez em quando um meteorito despencava na atmosfera, riscando na noite um facho de luz.
De repente, a porta do carona se abriu, entrando uma lufada de vento. Pensou tê-la deixado destravada e, quando esticou o braço para travá-la, sentiu um arrepio gelado, como se alguma coisa sobrenatural estivesse acontecendo. Mal teve tempo de dominar o medo e a porta traseira também se abriu e fechou, como se alguém tivesse entrado. Impossível. Estava a cem quilômetrs por hora. Fez o sinal da cruz e rezou todas as orações que sabia. As que não conhecia, inventou. Olhou adiante e viu as duas cruzes onde seu avô e o seu tio haviam morrido. Seu corpo retesou. Deu um cavalo-de-pau e acelerou em direção de Inhambupe. Em alguns minutos despontou a placa luminosa de um posto de combustível. Parou no posto para tomar fólego. O dono era seu amigo. Havia alguns carreteiros conversando, pediu um conhaque, bebeu de um gole só, temendo que alguém desconfiasse da sua frouxidão. No posto havia dormitório. Resolveu ficar por ali mesmo e viajar ao nascer do dia. Não contaria nada a ninguém. Pensariam que estivesse bêbado.
No outro dia, quando pagava a conta pra seguir viagem, o dono do posto puxou conversa:
- O seu anjo da guarda é forte! Ontem, mais ou menos na hora em que você resolveu retornar e pernoitar aqui, uma quadrilha de assaltantes fez barreira logo depois da cruz do seu avô, metralhou vários carros e houve três mortes!
Então ele se lembrou das palavras de sua mãe: "Vá e volte na companhia de seu avô Zé Carvalho e do seu tio Mundinho".
Eles haviam salvado a sua vida.
Conto de Luiz Eudes, um amigo querido.
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